Faço aqui um resumo da entrevista sobre o ensino da matemática feita pelo Elon Lages Lima, IMPA, Rio de Janeiro, na Revista do Professor de Matemática Nº 28 de 1995, respondendo a indagação de como poderíamos esperar professores competentes no Brasil, com salários tão baixo? Diz o professor, é vergonhoso, humilhante mas não é em si a causa primordial do problema e sim uma conseqüência de não ter o nosso povo a noção exata do valor da educação e daí seus representantes eleitos padecerem do mesmo mal. Se houvesse entre nós a conscientização de que a educação, além de ser a única porta para o bem-estar, é um direito do cidadão e um dever do Estado; haveria reconhecimento da importância dos professores e isso se refletiria nos seus salários, como ocorre nos países civilizados.
Elon vai mais além ao explicar que ao contrário das demais matérias que se estudam na escola, que se referem a objetos e situações concretas, a Matemática trata de noções e verdades de natureza abstrata. Aliás, essa é uma das razões da sua força e sua importância. A afirmação 2 x 5 = 10 tanto se aplica aos dedos de suas mãos quantos aos jogadores que disputam um jogo de basquete. A generalidade com que valem as proposições matemáticas exige precisão, proíbe ambigüidades e por isso requer mais concentração e cuidado por parte do estudante. Por outro lado, o exercício dessas virtudes durante os anos de escola ajuda a formar hábitos que serão úteis no futuro. A perseverança, a dedicação e a ordem no trabalho são qualidades indispensáveis para o estudo da Matemática. Note-se que não se trata de talentos e que não se nasce dotado delas. Se o fato de exigir empenho, atenção e ordem significasse ser mais difícil, a Matemática seria difícil. As idéias e regras matemáticas no nível que estamos considerando ( Ensino Fundamental) são, porém, todas extremamente simples e claras, bem mais simples e claras, por exemplo, do que as regras da crase ( ou mesmo da lei do impedimento no futebol). Por isso, continuo afirmando que toda pessoa de inteligência média, sem talentos ou pendores especiais, pode aprender toda a Matemática do Ensino Fundamental, desde que esteja disposta a trabalhar e tenha uma orientação adequada. Aqui estão dois motivos do mau resultado do ensino da Matemática: pouca dedicação aos estudos por parte dos alunos ( e da sociedade que os cerca, a começar pela família) e o despreparo dos seus professores nas escolas que freqüentam.
O conhecimento matemática é, por natureza, encadeado e cumulativo. Um aluno pode, por exemplo, saber praticamente tudo sobre a proclamação da república brasileira e ignorar completamente as capitanias hereditárias. Mas não será capaz de estudar Trigonometria se não conhecer os fundamentos da Álgebra, nem entenderá essa última se não souber as operações aritméticas, etc. Esse aspecto de dependência acumulada dos assuntos matemáticos leva a uma seqüência necessária, que torna difícil pegar o bonde andando e muitas vezes provoca uma síndrome conhecida como “ansiedade matemática”.
E o que é isso? É o medo que algumas pessoas tem da Matemática. As pessoas costumam disfarçar sua “ansiedade matemática” com um aparente ( e curioso) orgulho que as leva a vangloriarem-se de que são péssimas nessa matéria, que sempre a detestaram, etc. É engraçado que muitas dessas pessoas escrevem mal mas não admitem isso. Ninguém se orgulha de dizer que escreve chuva com “x”, que não emprega corretamente a crase ou que diz “aluga-se bicicletas”.
E qual a origem dessa “ansiedade matemática”? São várias. Uma das mais frequentes é a tentativa de aprender um assunto sem estar preparado para ele. Outra é passar os anos escolares nas mãos de professores incapazes, que muitas vezes usam a arrogância, a ironia e a humilhação como disfarces para sua ignorância e com isso provocam aversão à matéria que deviam ensinar. Há também a mera preguiça de pensar.
O entrevistador pergunta: você tem alguma proposta para melhorar esse estado de coisas? Ao que ele responde, quanto ao motivo primordial, ele tem muito a ver com o amor-próprio nacional. Em 1806, depois da batalha de Jena, onde o exército prussiano teve seu orgulho esmagado por Napoleão, os alemães concluíram que desenvolvimento ( e, em última análise, força) depende substancialmente da educação. E processaram uma reforma radical. O sistema educacional tornou-se central na sociedade. As universidades foram modificadas e os professores secundários ganharam alto prestígio social. O progresso do país, a partir daí, foi notável. Exemplo mais recentes de ressurgimento das cinzas com base na educação podem ser vistos no Japão e na Coréia. No nosso caso, que se pode fazer? Talvez gritarmos bem alto: “Brasileiros, criem vergonha na cara!”.
Quanto às peculiaridades da Matemática, ela é importante porque é exata, geral e se ocupa das noções mais básicas da vida humana: número e espaço. Deixemo-la assim e amemo-la por isso.
Finalmente, quanto ao ensino, não há mistério nem milagre. O bom professor é aquele que vibra com a matéria que ensina, conhece muito bem o assunto e tem um desejo autêntico de transmitir esse conhecimento, portanto se interessa pelas dificuldades de seus alunos e procura se colocar no lugar deles, entender seus problemas e ajudar a resolvê-los. Não há fórmulas mágicas para ensinar matemática. Não há caminhos reais, como Euclides já dizia a Ptolomeu. A única saída é o esforço honesto e o trabalho persistente. Não só para aprender matemática, mas para tudo na vida.
Diante do exposto acho que a única proposta deve ser uma ação viável dirigida ao professor, visando melhorar a qualidade do seu trabalho. Isto é, aumentar simplesmente os salários não resolve nada porque a qualidade dos professores que trabalham na escola pública ( onde o problema é maior) não vai melhorar por isso. Se o problema do professor consiste em mau preparo e baixo salário, as duas coisas devem ser atacada simultaneamente. Eis alguma sugestões:
1. A cada ano deveria haver um exame nacional para habilitação dos professores de ensino fundamental e médio;
2. Deveria haver uma tabela salarial especial para professores aprovado nesse exame;
3. Acho que o ensino até a 8ª série deveria ser obrigatório, com o mesmo currículo para todos os estados do país;
4. O setor público deveria instituir programas de reciclagem para preparar os professores para os exames de habilitação;
5. Acho que o ensino médio deve continuar bifurcado, não em clássico e científico, como era antigamente, mas em acadêmico e profissional, devendo este último preparar diretamente o jovem para o mercado de trabalho.